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sábado, 11 de junho de 2011

Remando contra a correnteza

Um dia eu vi um artigo na revista The Economist sobre os empreendedores brasileiros. O autor dizia que se você estivesse sentado a uma mesa no Sushi Bar, em São Paulo, não iria demorar para escutar, vinda de uma mesa vizinha, uma discussão sobre como iniciar um empreendimento para produzir energia a partir de alguma planta inusitada, ou então alguma ideia original para livrar a classe média do país de seus baixos salários.

O Brasil realmente não carece de pessoas inovadoras e empreendedoras. Segundo um estudo feito por uma instituição de renome, os empreendedores brasileiros apresentam um comportamento bem diferente de seus companheiros da Rússia e da China. A principal diferença entre os empreendedores desses países é que os brasileiros aparentam ter um apetite bem menor a riscos.

O estudo se aprofunda para averiguar o porquê dessa característica peculiar do empreendedor brasileiro, chegando à conclusão de que o motivo consiste no fato de que esses empreendedores correm em sua vida de negócios riscos muito maiores do que aqueles que vivem nos outros dois países, ou em qualquer outro lugar do planeta.

Começar um negócio no Brasil leva 152 dias e requer 18 processos diferentes. Um negócio de médio porte necessita de 2.600 horas de trabalho para pagar seus impostos anuais. O mesmo tipo de negócio pagaria 69% de seu lucro em impostos no segundo ano.

O que determina o bom empreendedorismo no Brasil é a habilidade de navegar pela burocracia. Eduardo Gianetti da Fonseca, entrevistado pela revista, diz, ao final, que, se o Bill Gates tivesse começado a Microsoft em uma garagem no Brasil, ela estaria ainda hoje na garagem. O artigo é concluído com a seguinte frase: “Mais difícil de entender por que os empreendedores brasileiros são como são é entender por que eles, afinal de contas, existem”.

Ao terminar de ler esse artigo, eu não sabia se devia ficar feliz ou se triste e preocupado. Talvez eu devesse ficar feliz. Por quê? Ora, é fato notório que o Brasil, apesar de toda sua potencial criatividade, não produz inovação como poderia. O motivo para isso poderia ser mais grave, por exemplo, a falta de imaginação de nossos profissionais, ou a falta de disposição em empreender.

Mas não é isso, felizmente. O problema é cultural. Tudo bem, problemas culturais levam tempo para ser resolvidos, mas podem ser resolvidos. Basta atitude.

A pergunta que permanece é: Quando o país vai acordar e perceber que sua atitude autofágica o está destruindo aos poucos? Existe algo pior do que ter potencial e não saber aproveitá-lo?

Os métodos governamentais devem ser urgentemente revistos. Nossa postura deve mudar. Precisamos entender que, para se empreender, abre-se mão de certo conforto inicial, corre-se um risco que pode ser significativo, mas com o tempo os frutos poderão ser colhidos. A lei brasileira não foi feita para a inovação.

As agências de fomento à inovação precisam experimentar outros caminhos. Seus gestores precisam compreender que o processo de criação é mais de imaginação do que de organização, e que o processo de inovação tem aí o seu princípio. É preciso diminuir o controle, a burocracia, e premiar as ideias inéditas, assim como os resultados inovadores.

Mas não é só o governo e suas instituições que devem mudar. O método de gestão adotado pela maioria das empresas brasileiras tem sua herança na revolução industrial, e está atrasada mais do que o país pode suportar. É hora de acordar. É hora de mudar.

Extraído do livro "mentes criativas, projetos inovadores" - Klaus de Geus - "crônicas corporativas" ao final do capítulo 9, página 191.