Total de visualizações de página

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Desobediência


Desobediência. Palavra que imediatamente nos remete à ideia de infração, pois, no senso comum, seu significado parece ter sido restringido à acepção de natureza social, ou seja, significa desobediência civil. Essa acepção deve, portanto, ter sido de tal forma assimilada por nossa mente, que sua simples menção a predispõe a encarar tudo o que a ela diz respeito como ilicitude. Etimologicamente, a palavra “obediência” vem do latim e significa “escutar com atenção”, segundo a Wikipédia. O significado contrário, assumindo que “desobediência” seja o oposto à “obediência”, não tem, portanto, ligação alguma com o aspecto de ilicitude, remetendo apenas ao sentido de desatenção, ou, mais precisamente, ao sentido da prescindência de atenção.

Se nós nos ativermos a isso, poderemos traçar um paralelo entre a desobediência e a inovação, não apenas no sentido tecnológico, mas nos aspectos mais diversos possíveis, na academia, na ciência, nas empresas, nas organizações, no governo, na sociedade e assim por diante. Se a obediência fosse ubíqua, não aconteceria inovação. Por que? Simplesmente porque, quando se ouve com atenção, ou seja, quando existe alinhamento com o pensamento vigente, deixa-se de pensar alternativas, deixa-se de procurar o aperfeiçoamento, deixa-se, portanto, de inovar. Quando “se ouve atentamente”, atinge-se a plena convergência, e não se questiona. Quando algo deve ser obedecido, a postura mental é a de que não se deve questionar, pois isso seria uma ousadia digna de punição.

Como podemos ver, ao nos desfazemos de significados preconcebidos, a desobediência é fundamental para o avanço da sociedade. Empreendedores inovadores são por natureza desobedientes, pois sua mente está sempre pronta a questionar. Melhor dizendo, sua mente está sistematicamente em estado de questionamento. É esse questionamento que nos leva à melhoria, ao aperfeiçoamento, à excelência. Se todos pensarem que o status quo é satisfatório e não merece ser alterado, não haveria evolução. A postura de questionamento deve ser enaltecida não apenas pela sua natureza, ou seja, não apenas pelos avanços que ela pode proporcionar, mas principalmente por causa de seu despojamento. Os inovadores são sistematicamente punidos, justamente por não “ouvirem com atenção”, e prescindirem de estar sempre em convergência com as situações com as quais convivem. São desobedientes.

Muitas vezes somos aprisionados pelos nossos próprios pensamentos convergentes. Neste ponto, vem-me à mente aquele bem conhecido desafio dos nove pontos, em que se deve, com apenas quatro traços conectados, passar por todos os pontos da matriz três por três. Se você, leitor, não conhece esse desafio, tire um tempo para experimentá-lo, antes de prosseguir na leitura, já que eu o revelarei na sequência. Nós só conseguimos vencer esse desafio quando nos livramos da prisão mental que nos faz restringir o espaço disponível àquele delimitado pelos próprios pontos. Quando nos libertamos, a solução vem. Genericamente, a situação se torna um pouco pior quando já existe uma solução padrão para o problema, pois neste caso não existe necessidade de descobrir outra. Quem faz isso são aquelas pessoas que estão sempre questionando, as pessoas desobedientes.

Desobediência também nos remete, como pudemos perceber na linha de pensamento desenvolvida até aqui, à divergência. Pensamentos divergentes são aqueles que provocam a inovação e, generalizando, a evolução do mundo. A divergência provoca uma turbulência temporária, que atrairá a si mesma, de forma inerente, diversas forças opositoras. Se ela for bem-sucedida em seus desígnios inovadores, só depois de restabelecida a harmonia poder-se-á ver que aquela turbulência temporária era apenas o início de uma cadeia de eventos que culminaria na ruptura com o passado, com o propósito de provocar um futuro melhor.

Muitas vezes as regras e os costumes precisam ser questionados para dar vez a inovações que proporcionem uma significativa melhora nos resultados almejados, sejam de que natureza forem. A questão então deixa de ser se devemos ou não ser desobedientes, mas sim quando e em que contexto devemos ser desobedientes.

Falar sobre desobediência também é per se uma desobediência. O grande catalisador dessa reflexão foi um programa recém-lançado pelo Media Lab, do Massachusetts Institute of Technology, o famoso MIT, chamado MIT Media Lab Disobedience Award, ou, em tradução livre, Prêmio de Desobediência do MIT Media Lab, no valor de US$ 250.000. O programa visa a destacar a desobediência ética, efetiva e responsável envolvendo todas as disciplinas, ao redor do mundo. Seus objetivos são criar conscientização e apoiar trabalhos robustos de ESPAÇO ENERGIA | ISSUE 26 | APRIL 2017 v desobediência em andamento, além de promover modelos para os jovens. Informações podem ser obtidas no website “https://www.media.mit.edu/disobedience/”.