Desobediência. Palavra que imediatamente nos remete à ideia de
infração, pois, no senso comum, seu significado parece ter sido restringido à
acepção de natureza social, ou seja, significa desobediência civil. Essa acepção
deve, portanto, ter sido de tal forma assimilada por nossa mente, que sua
simples menção a predispõe a encarar tudo o que a ela diz respeito como
ilicitude. Etimologicamente, a palavra “obediência” vem do latim e significa
“escutar com atenção”, segundo a Wikipédia. O significado contrário, assumindo
que “desobediência” seja o oposto à “obediência”, não tem, portanto, ligação
alguma com o aspecto de ilicitude, remetendo apenas ao sentido de desatenção,
ou, mais precisamente, ao sentido da prescindência de atenção.
Se nós nos ativermos a isso, poderemos traçar um paralelo entre a
desobediência e a inovação, não apenas no sentido tecnológico, mas nos aspectos
mais diversos possíveis, na academia, na ciência, nas empresas, nas
organizações, no governo, na sociedade e assim por diante. Se a obediência
fosse ubíqua, não aconteceria inovação. Por que? Simplesmente porque, quando se
ouve com atenção, ou seja, quando existe alinhamento com o pensamento vigente,
deixa-se de pensar alternativas, deixa-se de procurar o aperfeiçoamento,
deixa-se, portanto, de inovar. Quando “se ouve atentamente”, atinge-se a plena
convergência, e não se questiona. Quando algo deve ser obedecido, a postura
mental é a de que não se deve questionar, pois isso seria uma ousadia digna de
punição.
Como podemos ver, ao nos desfazemos de significados preconcebidos,
a desobediência é fundamental para o avanço da sociedade. Empreendedores
inovadores são por natureza desobedientes, pois sua mente está sempre pronta a
questionar. Melhor dizendo, sua mente está sistematicamente em estado de
questionamento. É esse questionamento que nos leva à melhoria, ao
aperfeiçoamento, à excelência. Se todos pensarem que o status quo é
satisfatório e não merece ser alterado, não haveria evolução. A postura de
questionamento deve ser enaltecida não apenas pela sua natureza, ou seja, não
apenas pelos avanços que ela pode proporcionar, mas principalmente por causa de
seu despojamento. Os inovadores são sistematicamente punidos, justamente por
não “ouvirem com atenção”, e prescindirem de estar sempre em convergência com
as situações com as quais convivem. São desobedientes.
Muitas vezes somos aprisionados pelos nossos próprios pensamentos
convergentes. Neste ponto, vem-me à mente aquele bem conhecido desafio dos nove
pontos, em que se deve, com apenas quatro traços conectados, passar por todos
os pontos da matriz três por três. Se você, leitor, não conhece esse desafio,
tire um tempo para experimentá-lo, antes de prosseguir na leitura, já que eu o
revelarei na sequência. Nós só conseguimos vencer esse desafio quando nos
livramos da prisão mental que nos faz restringir o espaço disponível àquele
delimitado pelos próprios pontos. Quando nos libertamos, a solução vem.
Genericamente, a situação se torna um pouco pior quando já existe uma solução
padrão para o problema, pois neste caso não existe necessidade de descobrir
outra. Quem faz isso são aquelas pessoas que estão sempre questionando, as
pessoas desobedientes.
Desobediência também nos remete, como pudemos perceber na linha de
pensamento desenvolvida até aqui, à divergência. Pensamentos divergentes são
aqueles que provocam a inovação e, generalizando, a evolução do mundo. A
divergência provoca uma turbulência temporária, que atrairá a si mesma, de
forma inerente, diversas forças opositoras. Se ela for bem-sucedida em seus
desígnios inovadores, só depois de restabelecida a harmonia poder-se-á ver que
aquela turbulência temporária era apenas o início de uma cadeia de eventos que
culminaria na ruptura com o passado, com o propósito de provocar um futuro
melhor.
Muitas vezes as regras e os costumes precisam ser questionados
para dar vez a inovações que proporcionem uma significativa melhora nos
resultados almejados, sejam de que natureza forem. A questão então deixa de ser
se devemos ou não ser desobedientes, mas sim quando e em que contexto devemos
ser desobedientes.
Falar sobre desobediência também é per se uma desobediência. O
grande catalisador dessa reflexão foi um programa recém-lançado pelo Media Lab,
do Massachusetts Institute of Technology, o famoso MIT, chamado MIT Media Lab
Disobedience Award, ou, em tradução livre, Prêmio de Desobediência do MIT Media
Lab, no valor de US$ 250.000. O programa visa a destacar a desobediência ética,
efetiva e responsável envolvendo todas as disciplinas, ao redor do mundo. Seus
objetivos são criar conscientização e apoiar trabalhos robustos de ESPAÇO
ENERGIA | ISSUE 26 | APRIL 2017 v desobediência em andamento, além de promover
modelos para os jovens. Informações podem ser obtidas no website “https://www.media.mit.edu/disobedience/”.
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