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domingo, 20 de março de 2011

Gestão de empresas, inovação e bossa nova

Gosto não se discute. Mentira. Gosto é uma questão de cultura, de busca, de muito esforço. A capacidade de apreciar um bom vinho não cai do céu. É fruto de tentativas e refinamentos. É algo relacionado ao juízo sintético, do filósofo Immanuel Kant, ou seja, é fruto da experiência. A bossa nova, legítimo fruto da cultura, intelectualidade e criatividade brasileira, não surgiu do nada. Foi preciso um longo caminho para se chegar lá. A bossa nova incorpora riquezas inusitadas, inovadoras, que muitas vezes causam estranheza aos ouvidos menos preparados. Sua harmonia e seus acordes dissonantes lhe conferem uma assinatura única, apreciada pelos mais eruditos músicos do mundo.

Com todas essas características desenvolvidas, a bossa nova pode parecer algo "desafinado" (fazendo alusão à grande obra de Tom Jobim e Newton Mendonça) para os ouvidos acostumados apenas com os estilos mais populares, para os que ouvem aquilo que é padrão, aquilo que é perfeitamente redondo. Para esses ouvidos, não há espaço para refinamento, já que se usa a justificativa de que gosto não se discute. Nada parece ser mais correto do que aquilo que sempre se ouve, uma vez que o óbvio reina absoluto.

Mas o que é que a bossa nova tem a ver com a inovação ou a gestão de empresas? Tudo. O que acontece na mente dos gestores é exatamente aquilo que acontece com aqueles cujos ouvidos não experimentam o refinamento. Fala-se em fazer diferente e em inovar, usam-se jargões do tipo "agregar valor" e "alcançar diferencial", porém não se experimenta, não se arrisca, e foge-se do incerto, dos desafios que envolvem o desconhecido. Ora, inovar é justamente fazer algo novo, onde pelo menos alguma coisa é incerta. Como se pode inovar sem se lançar no incerto?

No mundo empresarial brasileiro, pessoas criativas são normalmente vistas como acordes dissonantes. O questionamento por elas trazido à tona é normalmente refutado, pois as coisas já estão funcionando e não necessitam de palpites de sonhadores. Suas ideias não soam consonantes, e causam desconforto aos ouvidos menos preparados. O crescimento lhes é negado, pois não têm o perfil julgado necessário. A mente do gestor, assim como a mente do profissional em geral, ainda não se apercebeu da complexidade do pensamento humano. O mundo empresarial ainda não está preparado para lidar com as questões atuais, que adquirem cada vez mais um caráter interdisciplinar, complexo, onde as áreas do conhecimento se mesclam, gerando problemas que exigem soluções desconhecidas e devem, portanto, ser desenvolvidas de maneira, digamos, não automatizada.

A criatividade, principal ingrediente da inovação, ainda não tem uma definição formalmente aceita, nem pode ser compreendida em sua integralidade. Não se sabe ao certo como funciona, tanto na mente das pessoas criativas como na interação de pessoas visionárias. Infelizmente, a cultura de gestão vigente não gosta de riscos, não se sente confortável com a imaginação, o olhar diferente, pois isso tende a fugir de seu controle. Para evitar essa sensação que lhes é desagradável, gestores tradicionais exercem seu poder para o controle, matando a criatividade. Assim, o país continua ouvindo acordes totalmente consonantes e melodias cuja sequência se pode prever. E a bossa nova, com seu jeito "desafinado" e imprevisível, prossegue confinada aos ouvidos de quem sabe ouvir.

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