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sábado, 12 de março de 2011

O casamento entre a ciência e a tecnologia

A brilhante matéria do economista Claudio de Moura Castro na Revista Veja de 09 de março de 2011, intitulada “a freirinha e o rabino”, e que discorre sobre as inter-relações entre o desenvolvimento científico e o tecnológico, pode ser resumida pela frase escolhida para destacar o texto: “Alimentar a tecnologia com ciência é como tentar promover o namoro da freira com o rabino. Eles professam crenças diferentes, custosas de conciliar”. O autor realmente foi muito feliz na analogia, pois as estatísticas comprovam o abismo existente entre o grande desenvolvimento da ciência brasileira nos últimos anos e seu pífio desempenho no contexto tecnológico.

Após ter lido, apreciado e refletido sobre o texto, peguei-me lucubrando sobre outros tipos de comparação entre ciência e tecnologia, focados no desafio que é construir a ponte sobre o abismo que separa esses dois mundos. Meu primeiro questionamento se deu quando percebi que o namoro entre uma freira e um rabino é algo que contradiz tudo aquilo de que se espera. Ao contrário disso, namoros e casamentos entre pessoas são esperados no aspecto geral na sociedade. Não apenas isso, eles são celebrados e ritualizados como verdadeiras heranças da história familiar humana, e tidos como base da sociedade.

A ciência e a tecnologia deveriam, de forma semelhante, casar-se e ser felizes, com toda celebração e rito, cumprindo as expectativas da sociedade. Entretanto, as estatísticas do IBGE dizem que grande parte dos casamentos acabam em divórcio, fato esse percebido nitidamente em nosso dia a dia. Percebi então que as inter-relações da ciência e da tecnologia poderiam, sim, ser racionalmente comparadas com àquelas relativas ao casamento em nossa sociedade.

Grande parte de nossas tentativas sistematizadas de unir a ciência e a tecnologia em programas e empreendimentos podem, analogamente ao casamento, acabar em dissolução definitiva. Faz parte do jogo. Porém há tentativas que certamente se sustentarão, produzindo filhos e, quem sabe, novas e vitoriosas gerações. O grande desafio não está em minimizar o risco de fracasso, mas sim maximizar a qualidade das tentativas bem-sucedidas. Quando se fala em inovação, produto natural do investimento em ciência e tecnologia, a eliminação do risco está fora de cogitação. O que está em jogo é justamente a tentativa, a experimentação, a mente aberta, o pensamento divergente, o agir desalinhado. Não há desenvolvimento sem mentes que pensam diferente.

As empresas brasileiras sofrem particularmente desse mal, a saber, o de matar a criatividade mediante processos de gestão inexoráveis, muito bem implementados, cujo objetivo é o correto funcionamento dos negócios e a consequente sobrevivência da empresa. Talvez seja por isso que as empresas brasileiras estão acostumadas com a luta pela sobrevivência. Se dessem lugar à criatividade e investissem na inovação, provavelmente não precisariam mais lutar para sobreviver.

O risco, a experimentação e o pensamento divergente deveriam ser prática comum nas empresas que têm como alvo inovar e contribuir com a sociedade não apenas com produtos padronizados, mas também com a oportunidade de desenvolvimento sustentado, que pode trazer os melhores frutos e benefícios sociais.

Unir a ciência e a tecnologia exige muito mais do que um processo sistematizado. Não estou com isso dizendo que a sistematização não seja necessária. Sim, ela é necessária justamente para que se consiga alcançar um diferencial sustentado. Entretanto, não se pode confiar inteiramente na sistematização, mesmo que ela tenha sido fruto de uma grande inovação. Não importam as circunstâncias, viver dos frutos alcançados e das glórias do passado é uma grande armadilha. Muitas empresas e muitas pessoas já sucumbiram nesse pensamento. Quebrar o que está estabelecido continuará sendo a única maneira de questionar, de pensar o diferente, de criar e, consequentemente, de inovar.

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